Estou longe. Também não é assim tão longe, mas não é estar aí. Não te vejo, não me vês. Não te sinto o cheiro, não posso procurar o olhar que teimas em desviar.
Não te ter por perto é faltar um pouco de mim. Gosto de te sentir. Gosto de te olhar. Gosto de saber que estás ao lado, mesmo não te vendo, mesmo não te podendo ver, mesmo não te podendo falar.
Tenho evitado escrever-te. Não por estar ocupada com outras coisas, nada disso. Mas porque a ausência de ti em mim é notória.
Custa-me reler o passado. Temos demasiados textos carregados de mágoa. Eram os sentimentos do momento, à flor da pele, na ponta dos dedos. Releio um ou outro que me trazem boas recordações. Muitos, evito, quer escritos por mim, quer escritos por ti. Outros há, que basta ler a primeira palavra e já conheço o conteúdo, vírgula por vírgula, tantas as vezes que já foi lido e relido.
O Rui Veloso diz que já não há cartas de amor, aqui também não. Tens razão, estou diferente. Tu também. No meio de tanto pára-arranca-acaba-continua, ao qual não me escuso das minhas culpas nesse cartório, algo se perdeu. Eu perdi, tenho hoje a certeza disso. Perdi a espontaneidade de te abrir a minha alma. Já não o faço como antes. Já não consigo que os meus dedos levem a ti o que se passa cá dentro, ou se calhar o que se passa é diferente e eu não percebi a mudança. Dou por mim a racionalizar sentimentos, o que por si só é um contra senso. Os sentimentos não são racionalizáveis. Sente-se ou não se sente. Penso e não escrevo, por medo, acho. Apenas medo. Medo de te sentir recuar, medo de avançar. Fomos tão longe, tão depressa, temo mais acidentes de percurso, não me quero despistar.
Estou bem assim, contigo. Prefiro estar assim do que a ansiedade que tomava conta de mim. Aprendi à custa do meu sofrimento que é assim que estou bem. Andei à procura do que não existia. Acho que percebi a tempo que conduzia sozinha numa estrada sem saída e a tempo fiz inversão de marcha e encontrei a harmonia perfeita.
Claro que não impede que te sinta a falta. Não, não impede. Estás demasiado cravado em mim. A cautela tomou conta de nós, não sei bem porquê ou em quê. Deixámos de mergulhar tão fundo. Parece-me tudo mais banal, mais vulgar, o que não liga connosco. Nunca fomos banais, muito menos vulgares. Neste momento sinto-nos, assim, superficiais. Temos menos entrega emocional. Se calhar é normal. Tu com medo da entrega emocional por demasiados avanços e recuos meus. Eu com medo da entrega emocional com medo de voltar a cair na asneira de começar a sonhar com o que nenhum de nós, cada um pelos seus motivos, está preparado para realizar.
É um balanço lixado, este. O meu amor por ti não mudou, a forma de eu o encarar e de o viver sim. Tu, provavelmente impulsionado por todos os acontecimentos que provoquei, recuaste, eu segui-te as pisadas.
Sinceramente, não sei se é melhor, se é pior. Diferente é concerteza.
Penso nos textos escritos do passado, carregados de emoção, dos sentimentos que te tentei transmitir por palavras escritas. Fico a olhar para páginas em branco, apetece-me escrever, mas depois quando começo a tentar ordenar as palavras em frases e frases em textos, desisto. Vem o medo, o medo de ser mal interpretada, o medo que tu te feches.
Acredito que a morte prematura dos sonhos matou a aura com que eu envolvia quer a nossa relação quer os sentimentos por ti. Não te amo menos, mas sentia-te meu, tinha-te como meu, mesmo que a prazo. Agora não, não te vejo como meu, não te sinto como meu. Talvez uma pequena parte o seja, mas nem disso tenho certeza. Não me vejo tua, não me sinto tua. A única certeza que tenho é que me fazes falta. O que me faz crer que algo se perdeu no meio das mudanças, ou não, não se perdeu nada, porque não havia nada a perder e tudo isto que sinto em relação a nós neste momento não passa de um daqueles equívocos em que achamos que perdemos o que nunca tivemos.
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