Caixa dos fios

23.8.10

memórias


É estranho [no mínimo] googlar ao acaso [quase ao acaso, vá] e encontrar uma imagem do que fez parte do nosso passado. Aqui, à minha frente, uma imagem. Apenas uma imagem, que desencandeia um turbilhão de memórias de infância felizes.
O percorrer dos campos com o Sr. A., as botas metidas dentro das galochas, sentir as ervas molhadas da humidade de noite, o dia a nascer devagarinho, os cães a correr à nossa volta.
A água que vinha da presa, fresca e límpida, que fazia tão bem aos rins do meu avô. As lavadeiras ajoelhadas nas pedras de granito dos regos. As mulheres da lavoura com os cestos da vindima. O milho espalhado na eira. A comida do pessoal do campo. Os refrescos de café. O vinho morangueiro. O depenar das galinhas. Lavar a jaula do cão à mangueirada. O lagar da jeropiga. O gato atrás de mim, sempre atrás de mim. O cão Minho, um Pastor Alemão. O cão Leão, um Castro Laboreiro. Os gansos que não me mordiam. O meu carro vermelho de rodas amarelas para ir às amoras. O assalto aos morangueiros. Debulhar o milho. Trepar à pereira. Rebolar no coradouro. Ter um sítio secreto protegido de intrusos junto à colmeia. As cobras que encontrávamos pelo caminho. Apanhar grilos. Os pintainhos amarelos. Aprisionar escaravelhos. Os relógios a darem badaladas, um a seguir ao outro. A roupa para a missa de domingo. As esfoladelas nos joelhos. Andar descalça por todo o lado. Os banhos no tanque. Os banhos na presa. Apanhar sol em cima da placa dos porcos. O vinho morangueiro aquecido com açúcar amarelo para curar a tosse convulsa [curou]. As farpas nos dedos. Os cães transformados em vacas que levávamos para o monte. Conduzir o carro das vacas. O leite acabado de mungir. Mostrar ao galo garnizé quem mandava no galinheiro. Adormecer dentro do carro das vacas no meio do campo ao sol. Comer marmelada feita pela Titi. Chupar azedas. Andar de mota do portão à garagem. Ter medo das protecções de ferro por cima das portas. Escapulir-me para a cama da Titi a meio da noite. Fugir da matança do porco para o mais longe que conseguia. Tremer ao ver as chamas na mata. Ser a protegida da aldeia. Levar comida ao velhinho da casa ao lado. Descobrir cantos e recantos da quinta. Andar de baloiço. Aprender a andar de bicicleta. Comer uvas morangueiras até ficar com dores de barriga. Fazer vinho. O fogão a lenha. A roupa branca estendida. A minha avó. A vista para o rio. Esconder-me na garagem dentro do carro da Titi e fingir que estava a conduzir. Ver nascer bezerros a meio da noite. Fazer bolos em formas de queques no fogão a lenha em miniatura. Mungir vacas. Apanhar figos quentes do sol e comê-los.
Eu entendi a minha mãe e o meu tio, os meus filhos nunca vão compreender o encanto das memórias que guardo das minhas férias de criança.