Nunca fui pessoa de grupinhos, flutuei sempre nos que existiam à minha volta. Nos tempos de criança, mais no dos rapazes do que no das raparigas. Na altura achava-as um bocado parvinhas e tinham brincadeiras parvinhas, sem sal, ao menos com os rapazes jogava à bola, andava de bicicleta e de carrinhos de esferas, levava e dava canelas e trepavamos a muros para ver o que havia do outro lado, elas limitavam-se a ficar ali num canto com o enxoval todo das bonecas a epiriquitar-se com os colares de pulseiras velhas das mãe, armadas ao pingarelho a fingirem-se muito crescidas e donas do seu nariz, tudo era um aborrecimento para elas, tudo era diversão para eles. A mim, parecia-me óbvia a escolha. Mais tarde, na idade parva, onde contam as aparências, a que tem o namorado mais giro, mais alto, mais atlético, os mamilos mais salientes, elas tornavam-se ainda mais salientes, manientas e com conversas, atitudes e interesses ainda mais salientes e parvas. Os rapazes, apesar da idade parva, também nesta idade eram mais interessantes, jogavam snoker quando não havia aulas, falavam de música, de futebol e de filmes, os que tinham namorada mantinham-se mais à parte, juntando-se ao grupo nos intervalos do namoro. Claro que no seio dos grupos masculinos não era tudo um mar de rosas, também os havia parvinhos, manientos e charrados.
Não tenho amigos que me tenham acompanhado desde sempre. Em todas as fases da minha vida fiz amigos que se mantiveram, uns em mais, outros em menos fases, acabaram por se dissolver como ondas na praia. Nada de grandes dramatismos. Costumo pensar que em termos de amizades a minha vida assemelhou-se muito às amizades daquelas crianças que mudaram muitas vezes de casa e de zona sem nunca assentarem verdadeiramente arraiais num sítio. Pensando bem, é normal, foi isso que aconteceu comigo também.
Já na fase adulta e, a minha começou bem cedo, tive a sorte [e os discernimento] de me "dar" com pessoas com alguma formação, não falo no sentido académico, apesar desse também estar presente, falo no sentido de pessoas com objectivos de vida, uns mais do que outros é certo, mas ainda assim, todos o tinham. O último grupo onde "flutuei" era constituído por pessoas que trabalhavam ou estavam a estudar, hoje, tanto quanto sei têm a sua vida organizada. É deste grupo que guardo a minha amizade mais antiga, já lá vão 17 anos. Pode não ser muito para muito boa gente, afinal há por aí tanta gente que guarda amizades desde as fraldas.
Para mim a antiguidade não é um posto, nem poderia ser, senão estava bem tramada. Conservei as amizades que a vida não se encarregou de separar. Não faz qualquer sentido, para mim, chamar de amigo(a) quem não o é verdadeiramente. Amigos para copos e troca de cusquices é o que pr'ai anda aos pontapés, basta sair umas quantas vezes à noite e fazem-se amigos de copos antes do diabo esfregar um olho, amigos para troca de dedos de conversa fútil? Qualquer um serve. Para mim, amigos, são abrigos. São os que nos fazem um jantar num dia não, que oferecem um café mesmo que tenham de atravessar a cidade e esteja frio e a chover, que nos recebem na sua casa e nos fazem sentir na nossa, que nos fazem atravessar metade do país porque estamos doentes e até nos fazem uma canja com ovinhos e tudo, que passam horas connosco ao telefone a ouvir as queixas de sempre a ladainha do costume, os que ficam calados a enxugar-nos as lágrimas, os que choram connosco, os que riem connosco, os que nos abrem os braços quando sentem que estamos a precisar de um abraço, os que nos oferecem guarida porque há uma avaria e não há luz para tratarmos das crianças, os que telefonam só para saber como estamos e os que telefonam ao menor sinal de alarme para saberem se está tudo bem e, se não estiver, largam tudo para nos dar um abraço e um abrigo.
E se calhar, só por eu ser assim tão exigente, é que hoje, aos 36 anos posso dizer que tenho os melhores amigos do mundo, que são todos tão diferentes entre si e ao mesmo tempo com tantos pontos em comum. Sou uma priveligiada