Ontem no carro, o T. perguntou-me:
- Gostas de ser Humano?
- Gosto! - respondi
- Gostas de ser mulher?
- Gosto! - respondi com alguma hesitação. - Gosto Muito de ser mulher! - completei sem hesitar.
Este excerto de um diálogo que tive com ele no carro deixou-me a pensar. Eu hesitei quando respondi que gostava de ser mulher porque toda a minha vida fui maria-rapaz, os meus melhores amigos sempre foram rapazes. Sempre me movimentei bem no mundo masculino. Em miúda queria era brincadeiras de rapazes, não tinha paciência e não percebia as raparigas. Nunca fui de lacinhos, folhinhos, corderosinha, ganchinhos, elasticozinhos e outras coisas acabadas em inhos. Tinha joelheiras nas calças rasgadas e coteveleiras nas camisolas de trepar às árvores e jogar à bola. Desci muitas vezes o Parque Eduardo VII de carrinhos de esferas e de skate com os meus vizinhos. Foram poucas as bonecas que tive e pouco devo ter brincado com elas, lembro-me de dois ursos de peluche que o meu tio me trouxe da Polónia, dos legos, dos carrinhos e das molas da roupa da minha mãe com que construia muros para fazer estradas. O meu cabelo só foi comprido a partir dos 13 anos. Nunca consegui fazer amigas na fase da adolescência, principalmente porque não tinha pachorra para as aturar nem às conversas delas. Era tudo muito fútil, ou eu tive muito azar com a maioria que se cruzou comigo.
Aos 19 andava de mota com calças de ganga, t-shirt ou sweet-shirt e ténis. Comprei a minha primeira saia depois dos 20 e muitos, o primeiro vestido quase nos 30. Aventurei-me nos saltos altos um pouco mais cedo do que no vestido, mas só no formato bota.
Já em adulta, os meus melhores amigos sempre foram homens com excepção de uma amiga que conheci no meio de um grupo de homens, claro e, que se mantém até hoje. Tive muitas conversas de homem-para-homem com alguns deles. Sempre consegui entendê-los melhor e ser entendida. Nunca tive dúvidas acerca da minha sexualidade e na maior parte das vezes consegui separar as águas da amizade e do resto. Também tive amigos coloridos.
Entretanto, algo mudou, provavelmente eu. Uso vestidos, sapatos, sandálias e botas só com saltos, pinto-me habitualmente e até uso fios, pulseiras, ganchos e elásticos no cabelo. Só o azul continua a ser a cor preferida. Comecei a fazer amigas, mas amigas à séria, como só existia uma na minha vida. Amigas que riem comigo, que choram, que telefonam para dar um alô, ou simplesmente para saberem como estou, para me contarem um problema ou para partilhar uma alegria. São mulheres, como eu. Temos vidas e compromissos diferentes, mas entendemo-nos e completamo-nos.
Não troquei os homens pelas mulheres, tenho dois cá em casa e desengane-se quem pensar que é acaso ou sorte (mas isso fica para outro post), continuo a ter bons amigos homens, continuo a ter conversas de homem-para-homem com eles, mas agora sei o que é uma conversa de mulher-para-mulher, faço confidências e fazem-nas a mim. Temos conversas de gaijas. Têm entrado na minha vida mulheres fantásticas, são minhas amigas, orgulho-me disso e por isso digo sem hesitações gosto muito de ser mulher.
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