29.4.11

28 de Abril - A Revolução, precisa-se

Antes de ser mãe já trabalhava há quase 10 anos. Não tive um percurso profissional fácil e muito menos estável, mas dei o litro [muitos litros] e, degrau a degrau, lá fui subindo devagarinho na tabela salarial. A dependência do ganha-pão [a morar sozinha, com rendas e despesas para pagar e sem rede de segurança] impediram-me muitas vezes de arriscar mais, mesmo assim, algumas vezes dei o grito do epiranga e mandei à fava empregos por não me pagarem ou por me sentir explorada. Tive oportunidade de sentir na pele o que é trabalhar muitas horas por escassos escudos [na altura ainda eram escudos], de ter trabalhos temporários, recibos verdes, ordenados em atraso, ordenados por pagar, tudo coisas boas que se não ajudam na carreira e me obrigaram a responder a muitas perguntas parvas em entrevistas feitas por pessoas que parece que não sabem o país que temos, serviu, sem sombra de dúvida, para conhecer de perto a realidade de um lado "desconhecido" por muitos e para me fazer crescer enquanto pessoa.
Mas ainda antes de ser mãe tive a oportunidade de ter um emprego estável onde os ordenados são pagos a tempo e horas, onde há aumentos anuais, onde há seguro de saúde, férias e subsídios e, pasmem-se, prémios anuais. Sim, sei o que é ter tudo isto e também sei, porque me saiu do pêlo, o que é ter o meu trabalho reconhecido. Anos e anos de esforço [só eu sei o esforço físico e psicológico que suportei], trabalhar depois de um encontro de duas ou três horas com a almofada, horas de almoço passadas em frente ao pc, fins de semana passados no local de trabalho, férias adiadas no primeiro dia das mesmas, os olhares de lado de quem entrava depois da hora e saía a horas certas, um rol de coisas boas, portanto. Mas não verguei e marquei uma posição. A esta altura era suposto já ter provado a minha capacidade de trabalho, a minha competência e sobretudo a minha responsabilidade. Ou não. Depois veio o primeiro filho e logo para começar fui "castigada", uma gravidez de risco fez-me ir para casa aos seis meses, o regresso não foi fácil, deixei de ser tratada da mesma forma, posta tantas vezes de lado, de aumentos máximos na empresa nesse ano passei ao mínimo, recebi metade do prémio anual porque só tinha trabalhado metade do ano. Por outro lado, gozei "sem problemas" a licença de amamentação, faltei [com tantos sentimentos contraditórios] sempre que o meu filho adoeceu, aprendi a optimizar o meu tempo no local de trabalho, entrava antes da hora e saía na "hora do toque de saída" com o meu trabalho todo feito, mas já não tinha a mesma disponibilidade para a empresa, já não tinha tempo para fazer o trabalho dos outros, de me chegar à frente. Fui ultrapassada por quem se passeava durante o dia e ficava depois da hora para mostrar serviço e uma falsa dedicação, mas mesmo assim, consegui ser promovida.
Anos mais tarde, quatro, veio o segundo filho e, novamente, veio com pressa para nascer e voltei a ir para casa na mesma altura do primeiro. Mais resignada e com mais um mês de licença de maternidade, o regresso foi mais fácil, não me senti "injustiçada" e a minha vida profissional foi decorrendo sem grandes sobressaltos. Tive projectos, tive uma nova promoção [a ganhar o mesmo com muito mais responsabilidade], mas também vi à minha volta muita injustiça que voltei a sentir na pele.
No meio disto tudo veio também um divórcio, sem apoio de qualquer espécie a nível familiar, os meus filhos passaram a depender totalmente da minha disponibilidade no dia-a-dia, quando estão doentes quem fica com eles sou eu, as idas ao médico são comigo, as correrias para a natação e para a capoeira ficaram comigo até desistirmos e as reuniões nas escolas também. Os meus filhos entram na escola às 9h e eram os últimos a sair, depois era a correria em casa, os banhos, o jantar, a roupa para lavar e para estender, a casa arrumada e limpa, os tpcs, o deitar e o apreciar o sossego da casa em silêncio quando finalmente me conseguia esparramar no sofá roubando horas ao sono.
Não satisfeita, resolvi lançar-me na loucura do terceiro filho [afinal tem de haver loucos que contribuam para a taxa de natalidade deste país], terceiro filho e terceira gravidez atribulada, muito mais atribulada que as anteriores, que me enviou para casa muito mais cedo. Se perdi em sossego com tanta atribulação, ganharam os meus filhos que continuam a entrar na escola às 9h mas são os primeiros a sair, os banhos e jantares deixaram de ser a correr, têm tempo para tpcs e para brincadeira, se tiverem de ficar em casa ficam com uma mãe ausente de culpas parvas por não estar a trabalhar e a minha disponibilidade mental é completamente diferente.
E este relambório todo para admitir que apesar de tudo, profissionalmente tenho muita sorte com a entidade patronal e com as minhas chefias[trabalhei muito para isso, também], que em situações normais, apesar do pouco tempo que tenho para os meus filhos [uma hora a correr de manhã e duas em sprint à noite ] tenho um emprego, um ordenado, posso faltar quando os meus filhos precisam [com sentimentos de culpa, é certo, mas posso], também sei que não há vidas perfeitas feitas de dias perfeitos e por isso tento olhar sempre para o lado positivo e aproveitá-lo ao máximo para enterrar o menos bom, mas sou humana e como tal sou cheia de imperfeições que não me permitem olhar impavidamente para as injustiças e passar por cima delas sem que me afectem. Afectam, muito e, apesar de toda a "sorte" que sei que tenho, também sei que se não tivesse filhos e se a minha disponibilidade para com o meu local de trabalho fosse total a minha conta bancária não andava pelas ruas da amargura, o estacionamento do meu carro era outro e até o carro era outro e não dependia da minha conta bancária.
Flexibilizar? Claro que sim, principalmente as mentalidades!